A homenagem ao cenógrafo e carnavalesco Arlindo Rodrigues marcou uma retomada de parceria entre Rosa Magalhães e a agremiação, assim como a volta da Imperatriz ao Grupo Especial. A primeira coisa a chamar a atenção é a parte narrativa – como o desfile campeão do então Acesso e hoje Série Ouro, em 2020, assinado por Leandro Vieira, já se conecta de alguma forma com o deste ano.
A reedição do enredo sobre Lamartine, pensado por Arlindo para a escola de Ramos, cria um fluxo com a forma como Rosa pensou o desfile de 2022. Setor a setor, a artista acessou características do trabalho de Arlindo no Theatro Municipal, em um lindo carro abre-alas; e nas escolas para as quais ele trabalhou – da parceria com Fernando Pamplona na chamada “Revolução Salgueirense” à Mocidade, culminando na Imperatriz, na qual trouxe o primeiro campeonato para a escola, em 1980, com “O que a Bahia tem?”. No ano seguinte, um bicampeonato justamente com o enredo sobre Lamartine, com o samba extraordinário de Zé Katimba. (O compositor, aliás, participou do desfile como destaque do tripé com um pavão – lembrança do projeto de 1973 de Arlindo para a decoração de carnaval do Rio).

Baianas da Imperatriz, que se referiram ao desfile “Bahia de todos os deuses”, assinado por Arlindo no Salgueiro. Foto Alexandre Gomes/ Revista Caju 
Volutas douradas, marca registrada de Rosa. Foto Daniela Name/Revista Caju 
Ornamento lembrando Theatro Municipal, início da carreira de Arlindo. Foto Alexandre Gomes/ Revista Caju 
Rosa faz menção ao legado de Arlindo, em diálogo com o seu. Foto Daniela Name/Revista Caju
Em um desfile bonito e correto, mas não arrebatador, foi interessante ver como Rosa acessou o vocabulário de Arlindo, tanto no desenho de alegorias e fantasias quanto no pioneirismo dos materiais. Além de citar claramente os projetos de Arlindo para as escolas onde passou – como os figurinos afro para o Salgueiro e o minueto de Xica da Silva -, a carnavalesca mostrou sua imensa contribuição experimental para o carnaval, com o pioneirismo no uso de espelho (presente do carro “Visões do Oriente”, sobre o que a sinopse “descoberta do Brasil” pelo carnavalesco, na Mocidade), juta e vime.
Mais curioso ainda foi ver como a artista mesclou as referências e apropriações ao trabalho do colega com o seu próprio vocabulário. Os dourados, a volúpia dos ornamentos barrocos e rococós e a exuberância tropical de abacaxis, cajus e bananas, marcas da trajetória da artista, apareceram com muita força na Imperatriz.

Na parte de trás do carro sobre o legado de Arlindo, bonita homenagem a Joãosinho e omissões de Renato Lage e Maria Augusta, também discípulos do carnavalesco. Foto Daniela Name/Revista Caju 
Na frente deste último carro, telão com a homenagem de gosto duvidoso ao patrono da escola, Luizinho Drummond. Foto Thales Valoura/Revista Caju
Embora até justificável no enredo e explicável pelo jogo político e contraditório do carnaval, um telão com a imagem do patrono da escola, Luizinho Drummond, falecido em 2020, não foi exatamente elegante. No mesmo carro, a presença da própria Rosa e uma citação a “Ratos e urubus”, de Joãosinho Trinta, lembrou os artistas formados direta ou indiretamente por Arlindo e Pamplona, e foi impossível não notar a ausência de menções a Renato Lage, Maria Augusta e Lícia Lacerda.

