
O alvirubro Salgueiro provavelmente vai surpreender muita gente em seu desfile. No enredo desenvolvido pelo carnavalesco Alex Souza, há um segmento com forte presença das cores azul, branco e prata. Uma referência à Igreja da Penha — tema da fantasia que abre o setor — e, de forma mais específica, à célebre festa lá realizada.
A menção se relaciona com o enredo “Resistência” sob a premissa de que resistir é, também, festejar. “Revelar nossa maneira de ser por meio do modo de celebrar a vida, do entusiasmo que propicia o resgate de nossa identidade e afirmação existencial”, como diz a sinopse.
Promovida desde 1728, nos domingos de outubro, em louvor à santa que nomeia a igreja, a Festa da Penha foi durante muitos anos a maior celebração popular do Rio afora o carnaval. Em 1898, reportagem do Jornal do Commercio já anunciava a grande massa que se dirigia às estradas de ferro para pegar o trem em direção ao bairro. Outros iam a cavalo ou em carroças e carros enfeitados de colchas de chita, como conta Nei Lopes no “Dicionário da Hinterlância Carioca”. Oito anos depois, o mesmo diário registrava: “Parecia uma festa de carnaval em que tomava parte a sociedade alegre, livre e perigosa da cidade”.
Devota e profana, como muitas celebrações brasileiras, a Festa da Penha tem origem lusa, mas aos poucos se tornou um espaço de encontro de africanos libertos pela Abolição e moradores dos subúrbios. Esse público horrorizava intelectuais da elite como o poeta Olavo Bilac, que chamava o furdunço de “selvagem romaria”.
Mas as críticas não chegaram a arranhar o vigor da Festa. Com o progressivo predomínio do samba e do choro sobre as modinhas, compositores como Pixinguinha, Donga e Sinhô passaram a lançar, na Penha, suas novas músicas. É essa manifestação cultural nascida do bordado entre diferentes, e cheia de encantamento, que o Salgueiro mostrará na Avenida.
Ouça o samba do Salgueiro para 2022
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Escritor e jornalista. Autor dos livros "A lua na caixa d'água" (Malê, 2021), "Rua de dentro" (Record, 2020) e "Ferrugem"(Record, 2017), entre outros.
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Escritor e jornalista. Autor dos livros "A lua na caixa d'água" (Malê, 2021), "Rua de dentro" (Record, 2020) e "Ferrugem"(Record, 2017), entre outros.



